quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Um momento mágico com o Teatro Mágico

Ontem tive a oportunidade de ter uma tarde maravilhosa, que por um momento teve a presença de uma pessoa sublime, um ser iluminado e poético chamado Fernando Anitelli, o vocalista da maravilhosa banda O Teatro Mágico. Vou me ater apenas a dizer isso, o restante ele fala por si só. Confiram essa incrível entrevista que nós fizemos com ele. Apenas para lembrar: BCC somos nós e FA é o Fernando.


Acompanhem, curtam, enriqueçam, somem, deliciem-se com essa entrevista!

 (BCC) O que te levou a criar a ideia de agregar elementos dos circos em sua arte e montar essa trupe encantadora e poética?

(FA): Bom, tudo começou porque eu frequentava muitos saraus. O sarau é justamente aquele espaço criativo e colaborativo, as pessoas compartilham ideias e vivências. Era um momento onde eu estava sempre pulando de um sarau para o outro, vendo essas coisas, conhecendo músicos, compositores, poetas, aquilo tudo me encantava. Porque em todo sarau era comumente, no final do sarau acontecia uma catarse coletiva, assim, sempre todo mundo declamava uma poesia juntos, cantava umas coisas juntos, a sensação era sempre muito amadurecedora. E eu sempre percebi que tudo dialogava a música, o teatro, a brincadeira, o silêncio, então por que não levar aquele espírito pra cima do palco? Aquele espírito plural. A ideia foi essa, montar um projeto que fosse plural na sua estética, nas batidas, nas composições, nos arranjos, nas temáticas, no figurino, em tudo! Porque na verdade, tudo dialoga. O circo tem teatro, que tem graça, que tem poesia, que tem música. E na música tem poesia, né? Então, simplesmente, se a gente parar pra pensar, é a coisa mais simples do mundo a integração de tudo que se dialoga, é não sem preocupar com o rótulo, com um estilo único, é você poder experimentar! E essa pluralidade se tornou uma marca do OTM, uma bandeira, um ícone, pra ler a nossa maneira de fazer tudo de forma independente, e a gente também compreendeu que fazendo o trabalho de uma maneira colaborativa, com participação de várias pessoas convidando, agregando pessoas, reciclando esse projeto em cada álbum, novos músicos, novos atores. Um projeto que cada vez mais mostra que sempre fazia sentindo. Então foi com esse espírito que começou, foi assim que surgiu a ideia de montar O Teatro Mágico, essa proposta de trabalhar a pluralidade artística.
 (BCC) Vocês fazem música sem apoio de gravadora midiática. Em algum momento esse trabalho independente dificultou as coisas ou apenas o talento é suficiente para garantir a subsistência da trupe?
(FA): Bom, pra garantir a subsistência da trupe, a gente precisa não só de talento, não só de disposição, de técnica, de estudo, de ensaio, de treino, mas também de uma administração, um convenção, um escritório, pessoas nos bastidores trabalhando constantemente com a empolgação, com a comunicação, com a carreira. Com o direcionamento. Então, é uma equipe muito grande! Essa equipe tem como a cabeça, o Gustavo Anitelli, que é justamente o meu irmão. Ele é um sociólogo, uma figura fantástica! É o meu irmão caçula que pra mim, é meu irmão mais velho, ele que cuida dessa coisa toda. Meu pai é responsável por cuidar da lojinha, a minha mãe dá uma geral nas compras, eu sou responsável hoje, junto com o Daniel Santiago, pela criação artística e sonora, do OTM. A Andréa, junto com as nossas outras companheiras cuidam da parte de performance, da criação, das danças aéreas, das cenas  e das coreografias. Então, é dessa maneira que O Teatro Mágico trabalha. A gente compreendeu que a Internet é uma ferramenta fabulosa para qualquer artista que queira se colocar de uma maneira próxima, junto ao público. Isso é muito importante para que essa geração compreenda que a gravadora cumpre um formato dentro de um plano, para quem está dentro de uma gravadora, as vezes é interessante, as vezes não. E a gente justamente por tomar muito chá de cadeira de gravadora, e também já cair no “conto do vigário”, a gente foi compreendendo que fazer as coisas de uma maneira independente era o caminho. A Internet sempre colaborou pra isso porque coloca você diretamente junto do seu público. “Ah, mas é só colocar música na rede?” Não! Tem que colocar música na rede tem que ter um trabalho bom, tem que ter um trabalho com personalidade. A música tem que ser boa, o show tem que ser bom. O diálogo com cada uma das pessoas que curtem o seu trabalho tem que ser interessante, criativo, produtivo.
Tem que ter coisa nova constantemente, a gente vive num universo de informações muito rápidas! Então, é com esse espírito de saber as dificuldades que a gente vai enfrentar, elas traduzem também esse caminho que a gente está seguindo. Se a gente estivesse em outro caminho, a gente teria outras dificuldades. Eu conheço outras pessoas que estão com gravadoras, pessoas que já fazem parte de outro plano de música e têm as suas dificuldades alí também, dentro daqueles universos. A gente foi desbravando um mundo, o que a gente estava fazendo, ninguém tinha passado por alí antes. Muitas pessoas estavam na mesma direção, mas na maneira com a qual a gente fez, a gente foi abrindo um caminho. E isso foi interessante. Têm dificuldades? Têm! E a gente sabe que sempre terá. E são essas dificuldades que a gente também tem que olhar como oportunidades para novas soluções e traduções da nossa própria obra.

(BCC) Vocês inspiram e encantam muita gente. O que inspira e encanta O Teatro Mágico?

(FA): Olha, tem um monte de coisa que encanta a gente! Eu tenho uma visão, eu cresci ouvindo música POP. Eu fui conhecendo muitos outros trabalhos relacionados a outros universos de música e fui me encantando cada vez mais, pesquisando e estudando. O gostoso de ouvir música também é isso, é você entender a não ouvir somente a música, às vezes o timbre, o som, o groove, a letra, você vai edificando cada coisa que você conhece. Acho até melhor nem citar uma coisa ou outra porque eu provavelmente vou esquecer, mas é música brasileira, é música de fora... Eu acho que tem dois tipos de música; a música que simplesmente toca e a música que te toca. Eu gosto da música que nos toca, sabe? A música que toca o coração, essa eu gosto. Bate no peito e dá o recado, isso é inspirador! Não existe de uma coisa de “Quem é referência pra quem?”, todos nós somos referência um para o outro. Em algum momento a gente faz uma m*****, aí depois, “Olha lá oh, referência. Não faz isso daí não que isso não rola!”, ou se a gente faz uma coisa boa, ”Puxa! Que referência boa”. Então, tudo é referência. A convivência, a prática, você observar como as outras pessoas trabalham, como elas falham e como elas resolvem. O que inspira e encanta OTM são as soluções poéticas, críticas e humanas. Enfim, é isso.

(BCC) Anitelli, conte um pouquinho mais sobre a origem das letras produzidas. Por exemplo, é nítido que são muito bem elaboradas, com todas as metáforas e jogos de palavras. Arquitetar as canções é o objetivo ou simplesmente flui?

(FA) Ah não! O que simplesmente flui, às vezes é uma frase, uma ideia. Mas depois pra fazer, pra construir a coisa... Jesus amado! É arquitetando mesmo.  Assim, ““pensa em uma palavra”, “vê qual verso não ficou legal”, “ vamos colocar outro, esse daqui não!”, “a sonoridade não ficou boa”, “essa palavra aqui eu já falei no outro álbum”, “vamos no dicionário”, “Que palavra interessante!”. É bem assim! “Emanemo-nos amor? Cara, a gente coloca “metamorfoseada” dentro de uma letra! “A poesia metamorfoseada”.
Eu acho que a gente tem que arriscar nas palavras, no som, no sentido. A gente tem que ser corajoso nesse ponto e isso requerem tempo, pesquisa, escreve aqui e ali. Tem gente que faz letra na hora, eu não consigo!
 Eu vou por pedacinhos, eu vou montando, eu sou um artesão da palavra, às vezes é com martelo, faca, pra chegar ao resultado final. Então é bacana porque você vai lendo e relendo muitas vezes você vai aprimorando. Uma vez eu ouvi um comentário do Bob Dylan que disse assim: “O músico tem que fazer dez músicas por semana pra ver se uma presta”. E com os textos, isso é muito real, é justamente assim: Tenta. Tenta melhorar faz de novo. “Vamos tocar uma música”?, “Vamos tocar mais rápido”?”, “ Vamos tocar mais alto? “Vamos tocar mais baixo?”, “ Um pouco mais devagar.” , “ Muda o timbre.”,  “ Agora coloca um veneno!”, “ Não, agora uma intenção de amor!”.
Então, caminha pra vários locais. Eu acho que o importante é você saber o que você quer aí você vai compondo o caminho para você chegar até lá. Se você não sabe o que você quer dizer, aí a coisa fica meio “quenquém”, aí acaba não tendo a força que poderia ter.

(BCC) Vocês concordam que em nossa sociedade atual, tão conturbada e conflituosa, o momento de ouvir O Teatro Mágico, é uma oportunidade para cada indivíduo parar e reparar nas coisas belas e boas?  É assim também quando se entregam a uma nova composição?

(FA): Olha, eu busco no trabalho do OTM fazer uma tradução da nossa contemporaneidade. Então, se você pega o primeiro álbum, é diferente do segundo, e que sim, é diferente do terceiro, e que sim, é diferente do quarto, que é diferente do quinto. A gente está no quinto álbum, e pra mim ele é muito bom, “é de se pensar o que cabe nesse riso” “quem dera a era fosse aquela em que éramos heróis” e tantas outras. “Mãos ao desolados”, “querem tapar o sol com a peneira” “A justiça, da onde vai? Da onde vem?”. Então, essas coisas são muito atuais, e ao mesmo tempo em que é atual também é atemporal porque não são canções estatadas, mas são canções que refletem o espírito da nossa atualidade. Mas você pode ouvir daqui a dez anos que você entender, vai traduzir, vai sentir batendo no coração com uma determinada atualidade também. É igual ao nosso primeiro álbum, tem gente que adora as canções do primeiro álbum, tem gente que acha que o primeiro álbum é mais legal, tem gente que acha que o segundo é mais legal. Tem gente que conheceu agora e agora acha que é o melhor. Então isso é muito relativo, não existe uma equação. O que eu acho interessante é justamente  é essa questão de saber crescer, saber  traduzir as coisas junto com o nosso público, sem aquela pretensão de querer ficar se repetindo por achar que se o sucesso valeu, tem que fazer tudo igual. Ou também tem aquela pretensão de “somos os primeiros a fazer”. Eu acho que tem que ser com pé no chão e com curiosidade.  Acho que a curiosidade que é bacana! Vamos ser curiosos, vamos experimentar isso.

(BCC) Por mais que a magia de vocês consiga arrebatar corações, ainda são feitos de carne e ossos. A sobrecarga de corresponder às expectativas, de cumprir tarefas, de se doar por inteiro a essa causa, alguma vez fez vocês desanimarem?

(FA): O que desanima a gente é o “estar em trânsito”, é a palavra “chek-in”. (Risos) A gente ama estar no palco, a gente ama tocar. É o momento mais gostoso! Imagina você estar maquiado, com aquele personagem, com aquela criatura que, antes, era um papel em branco e agora aquela criatura está ali presente e existe. A música, quando está todo mundo cantando, é a coisa mais linda! Agora...  Estar em trânsito, o vai e vem, às vezes cansa. A gente não tem muita escolha, a gente tem que estar perto. O Brasil é um país gigante! Cara, tocar em Fortaleza e depois tocar em Porto Alegre o mesmo set list... O Brasil é um país hiper continental, a gente já tocou no Acre, no Amapá... A gente cantou em tudo quanto é lugar. É um país gigante e agente tem ir a esses lugares, então o fato de a gente não estar mais presente em rádios e televisões, a gente não tem a força que muitos outros artistas têm. Existem artistas que a mídia já vem antecipando antes. E a gente vai mesmo desbravando, um conhece, divulga para o outro. Então esse espírito pede para que a gente seja sempre muito disposto, tenha muita força, e a gente gosta disso, a gente está fazendo o nosso caminho. E cansar disso a gente cansa naturalmente, assim como qualquer outra coisa que a gente faz. A gente fica cansado, “puxa to cansado”, mas cansar do nosso trabalho e da nossa missão, jamais.

(BCC)  Qual a relação político-social das letras do grupo? 

(FA): Toda arte é política, então, ponto final. Toda relação é política, tudo o que se trata de relações entre os seres humanos é política. A política é justamente essa relação. Eu acho que a gente tem que compreender de outra maneira, não é só sacanagem, “aquele bando de bandidos”, a política está em nós. Ela está nas relações em como a gente fala, em como a gente recebe, como a gente observa as coisas, como a gente deixa de olhar com paixão, com coragem, com ousadia para as coisas do cotidiano. Eu acho que a gente tem que debater, tem que relacionar. Isso é uma coisa fundamental, não pode “Ah! Eu to indo na onda”, como massa de manobra, como boiada, como diria Zé Ramalho. Então a nossa relação é essa, é sempre uma visão humanitária, uma visão contra a violência, contra a homofobia, contra o racismo, em favor da mulher e seus direitos, em relação ao homem e a máquina... De todas essas coisas! A gente canta às vezes dores comuns e essas dores comuns são questões políticas, são lutas de classe, são relações com o trabalho, com a educação, com a acessibilidade, com a saúde. A gente canta essas coisas, eu acho importantes os trabalhos. “Ah! Tem música que é só pra entretenimento”, sim, tem música pra tudo quanto é coisa. Existe música que é só pra vender, tem música pra relaxar... A música que OTM faz, é essa música ligada à política, às relações, ao cotidiano e aos nossos sonhos. Quando a gente fala em sonho, a gente fala em luta, a gente fala em alcançar coisas, quando a gente almeja coisas. Então, pra tudo isso exige batalha, companheirismo, exige respeito e educação. Então, isso não tem como ser apolítico, não tem como estar à mercê disso tudo. Essa é a maneira com a qual a nossa arte se traduz pra mim de uma maneira política, é com essa ótica.
(BCC) Recentemente estiveram num trio elétrico com o Saulo Fernandes, como foi essa experiência? Vocês já planejam algo novo?

(FA) Foi uma experiência fabulosa! O Saulo foi um querido, ele ligou para a gente e falou que já conhecia o trabalho, eu até perguntei “mas como é que você conheceu o trabalho?”, ele respondeu “todo mundo que escreve aqui na Bahia fala de OTM, a poesia de vocês, como vocês fazem, como vocês encaram as coisas. E queria trazer isso aqui para o carnaval, trazer essa poesia, trazer esse trabalho que tem a ver com essa coisa de cultura, de informação. Ao mesmo tempo que você brinca, dança e pula, você ta cantando umas coisas que tem essa cara, essa identidade político artística. Foi a coisa mais legal do mundo! A banda do Saulo é uma banda boa pra caramba, tirou nossas músicas , aí foi eu, o Daniel na guitarra, o Ricardo Braga na percussão, o André na performance...  Uma passarela que encheu toda a avenida, os camarotes, e o povo todo na rua, sem divisão, na rua, na pipoca, a galera toda na frente do trio, 30 graus. Abriu uma roda no meio da rua, e eu lá em cima cantando “A poesia prevalece” e todo mundo “Só enquanto eu respirar”, a gente cantou “Querem tapar o sol com a peneira”, foi maravilhoso! Foi uma experiência fantástica, a gente ficou feliz da vida! Sim, a gente quer fazer coisa nova. A gente já está fazendo aí um trabalho novo, pra álbum novo, pra turnê; a gente quer sim fazer parceria. Estamos nesse movimento, e assim que a gente tiver coisa nova a gente vai colocar para o público.

(BCC)  Fernando, você poderia expressar o que move vocês? O que é capaz de fazê-los contornar e derrubar obstáculos? 

(FA) Eu acho que, como diriam os bons e velhos poetas, os filósofos, é o amor. Ponto final. Como diria Mário Quintana, “Não importa do quê fale o poeta, ele sempre estará falando de amor”. Como já diria o revolucionário Che Guevara, “Todo revolucionário tem amor à causa”, como diria Pedro Munhoz, “Eu quero aquele amor que faz revolução, não aquele amor barato e efêmero. O amor no sentido de olhar para as pessoas com cuidado, aquele amor com carinho, com esse senso de justiça, de igualdade, de liberdade, sabe? Então é isso que nos move, é poder fazer um trabalho que trate disso, onde a gente trabalha sobre isso. Declarar as coisas que nos incomodam, que incomoda a sociedade, a comunidade. Se a gente consegue passar isso de uma maneira bonita e interessante, poxa, bora fazer! Nossa missão é uma luta de muitas mãos, a gente espera muita coisa.

(BCC) Nós desejamos à vocês toda luz para que possam continuar brilhando. E essa luz possa seguir só enquanto vocês respirarem. Um abraço da equipe do nosso blog.

(FA) Muito obrigado, de coração! Um beijo grande para a equipe toda, todo carinho. Em breve a gente se encontra!




3 comentários:

  1. Amei a entrevista <3
    Parabéns ao blog

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  2. Boa entrevista! Da orgulho ver esse trabalho musical independente que cresce no Brasil. Bom trabalho da equipe!

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  3. Muito bom bom mesmo , e uma felicidade ao ver uma banda independente com o OTM tendo essa ótima aceitação como teve ne um lugar a onde só tocava músicas baiana bom viva as Bandas independentes

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